19.1.13

BEM-VINDO, APAGÃO!


Bastou chover mais forte em janeiro para que faltasse eletricidade durante horas seguidas. O problema se repetiu em outros dias e, por último, uma sucessão de mais de 10 quedas de energia em uma única manhã! Isso não foi em Sovaco da Cobra, mas em áreas nobres da capital federal.

Qualquer que seja a explicação para as falhas, o que fala mais alto é a realidade dos fatos: apagões e limitações que atingem o consumidor e comprometem projetos de desenvolvimento urbano e industrial. Por isso, a melhor definição para tudo parece contida em uma única palavra: gambiarra.

Tudo bem, temos de reconhecer que houve expansão da capacidade geradora nos últimos anos, mas isso não resolveu os problemas. Para complicar, o crescimento do parque gerador passou a ser um quebra-cabeça, porque o rigor das políticas ambientais se opõe à construção de novas represas. Com isso, as novas usinas não são alimentadas por reservatórios, mas a fio d’água. Curioso nisso é que, ao mesmo tempo em que o fornecimento passa a depender mais das chuvas para funcionar, pode falhar se chover. É que grande parte das linhas de transmissão e redes de distribuição parece dominó de cristal. Não suporta ventos, fogueiras ou algum ultraleve sem rumo, pois cai em efeito cascata de Norte a Sul, como malha mal remendada, com retalhos e quebra-galhos.

Nenhuma crítica à opção brasileira pela energia hidrelétrica, uma vez que contamos com abundância de recursos hidrográficos, mas sim às deficiências no sistema e, agora, as dúvidas sobre a crescente dependência das condições climáticas.

A eletricidade, que há tempos se tornou fundamental em nossa vida, agora passou a ser a base de tudo na era da tecnologia eletrônica. Sem ela, o shopping não funciona, os caixas param, ninguém paga nem recebe. O portão não se abre, o elevador não sobe, os postos não abastecem, o metrô não se move, o trânsito trava no semáforo apagado, a internet cai e a gente fala só enquanto a bateria aguentar. Dos 300 canais de TV, não sobra um sequer. Amigos idem, porque são virtuais. Desnecessário detalhar outros transtornos, como conservação de alimentos, serviços hospitalares e no setor produtivo, onde os prejuízos são milionários. Além disso, vem por aí outro emprego essencial da eletricidade: estamos entrando na era dos carros elétricos, que demandarão recargas pesadas. Será um passo irreversível no uso do automóvel e outra razão que reforçará a importância estratégica da energia elétrica.

Enfim, somos uma sociedade movida pela eletricidade. Aí está o ponto que requer reflexão de todos e revisão de conceitos por parte de especialistas e governantes. O conceito de energia elétrica como simples insumo pertence a um passado distante. Hoje, é recurso estratégico por excelência, fator de sobrevivência para o cidadão, a sociedade e a economia. A gestão desse recurso não pode ficar longe dos centros de decisão, nem subordinada aos limites das responsabilidades e interesses das concessionárias. Por isso, temos de nos convencer de que uma sociedade moderna e uma economia forte não podem depender de um sistema elétrico limitado e instável.

Então, por que não sanamos definitivamente as deficiências ou reconfiguramos a matriz energética? Imagino que pela mesma razão por que nunca levamos muito a sério grandes questões estratégicas. Não nos empenhamos em viabilizar alternativas para situações altamente críticas, como energia, congestionamentos urbanos, colapso carcerário, falência da previdência, insegurança pública, ineficiência aeroviária e transporte rodoviário, este último com o incrível poder de manter o sistema produtivo como seu eterno refém.
Se nos sentimos bem por saber que nunca estivemos mergulhados em drástica escassez, colapso maciço e apagão prolongado, por outro lado essa pode ser uma das explicações para a falta de maior empenho. No fundo, as coisas sempre foram mais ou menos fáceis. Terra abençoada, natureza generosa, sobrevivência fácil...

Mas certos problemas só se solucionam depois de cair a ficha. Antes disso, porém, a energia terá de cair milhares de vezes, até que a gente sinta um tranco daqueles de escurecer a visão. Por isso, com apagões constantes e prolongados, quem sabe o país sinta o tamanho da vulnerabilidade e, então, correremos para tirar o atraso... Bem-vindo, apagão!

(Escrito por Ricardo Zani

Nenhum comentário: