Bastou chover
mais forte em janeiro para que faltasse eletricidade durante horas seguidas. O
problema se repetiu em outros dias e, por último, uma sucessão de mais de 10
quedas de energia em uma única manhã! Isso não foi em Sovaco da Cobra, mas em
áreas nobres da capital federal.
Qualquer que
seja a explicação para as falhas, o que fala mais alto é a realidade dos fatos:
apagões e limitações que atingem o consumidor e comprometem projetos de
desenvolvimento urbano e industrial. Por isso, a melhor definição para tudo parece
contida em uma única palavra: gambiarra.
Tudo bem, temos
de reconhecer que houve expansão da capacidade geradora nos últimos anos, mas
isso não resolveu os problemas. Para complicar, o crescimento do parque gerador
passou a ser um quebra-cabeça, porque o rigor das políticas ambientais se opõe
à construção de novas represas. Com isso, as novas usinas não são alimentadas
por reservatórios, mas a fio d’água. Curioso nisso é que, ao mesmo tempo em que
o fornecimento passa a depender mais das chuvas para funcionar, pode falhar se
chover. É que grande parte das linhas de transmissão e redes de distribuição parece
dominó de cristal. Não suporta ventos, fogueiras ou algum ultraleve sem rumo, pois
cai em efeito cascata de Norte a Sul, como malha mal remendada, com retalhos e
quebra-galhos.
Nenhuma
crítica à opção brasileira pela energia hidrelétrica, uma vez que contamos com
abundância de recursos hidrográficos, mas sim às deficiências no sistema e,
agora, as dúvidas sobre a crescente dependência das condições climáticas.
A
eletricidade, que há tempos se tornou fundamental em nossa vida, agora passou a
ser a base de tudo na era da tecnologia eletrônica. Sem ela, o shopping não funciona,
os caixas param, ninguém paga nem recebe. O portão não se abre, o elevador não
sobe, os postos não abastecem, o metrô não se move, o trânsito trava no semáforo
apagado, a internet cai e a gente fala só enquanto a bateria aguentar. Dos 300
canais de TV, não sobra um sequer. Amigos idem, porque são virtuais. Desnecessário
detalhar outros transtornos, como conservação de alimentos, serviços
hospitalares e no setor produtivo, onde os prejuízos são milionários. Além
disso, vem por aí outro emprego essencial da eletricidade: estamos entrando na
era dos carros elétricos, que demandarão recargas pesadas. Será um passo
irreversível no uso do automóvel e outra razão que reforçará a importância
estratégica da energia elétrica.
Enfim, somos
uma sociedade movida pela eletricidade. Aí está o ponto que requer reflexão de
todos e revisão de conceitos por parte de especialistas e governantes. O
conceito de energia elétrica como simples insumo pertence a um passado
distante. Hoje, é recurso estratégico por excelência, fator de sobrevivência
para o cidadão, a sociedade e a economia. A gestão desse recurso não pode ficar
longe dos centros de decisão, nem subordinada aos limites das responsabilidades
e interesses das concessionárias. Por isso, temos de nos convencer de que uma
sociedade moderna e uma economia forte não podem depender de um sistema elétrico
limitado e instável.
Então, por
que não sanamos definitivamente as deficiências ou reconfiguramos a matriz energética?
Imagino que pela mesma razão por que nunca levamos muito a sério grandes
questões estratégicas. Não nos empenhamos em viabilizar alternativas para
situações altamente críticas, como energia, congestionamentos urbanos, colapso
carcerário, falência da previdência, insegurança pública, ineficiência
aeroviária e transporte rodoviário, este último com o incrível poder de manter o
sistema produtivo como seu eterno refém.
Se nos sentimos
bem por saber que nunca estivemos mergulhados em drástica escassez, colapso
maciço e apagão prolongado, por outro lado essa pode ser uma das explicações
para a falta de maior empenho. No fundo, as coisas sempre foram mais ou menos
fáceis. Terra abençoada, natureza generosa, sobrevivência fácil...
Mas certos
problemas só se solucionam depois de cair a ficha. Antes disso, porém, a
energia terá de cair milhares de vezes, até que a gente sinta um tranco daqueles
de escurecer a visão. Por isso, com apagões constantes e prolongados, quem sabe
o país sinta o tamanho da vulnerabilidade e, então, correremos para tirar o
atraso... Bem-vindo, apagão!
(Escrito por Ricardo Zani)