Por Ricardo Zani
Quando você compra um vinho ou uma pizza que não corresponde ao padrão ou à qualidade prometida, é lesado como consumidor. Mas se o valor é pequeno e, na pressa, você não se informou bem antes de comprar, acaba deixando pra lá. Enganos desse tipo são quase inevitáveis.
Mas quando se trata de um carro zero, de uma marca sem fábrica no Brasil, aí você terá nas mãos um problema complicado.
Ocorre que isso está se tornando frequente. A explicação pode ser uma combinação de fatores: a facilidade para comprar, com financiamentos a perder de vista, a invasão de novas marcas e os critérios de decisão do comprador.
O último fator é especialmente curioso. Às vezes, fico observando pessoas em lojas de carros. A maioria está pensando em trocar de carro, mas não sabe exatamente por que trocar. Movidos pelo modismo, pela pressão da publicidade ou outros fatores, muitas vezes meramente psicológicos, não é raro trocarem por um carro pior. Alguns vão à procura de um modelo sobre o qual nada sabem. Então, procuram se informar. Com quem? Com o vendedor...
Outro aspecto engraçado é o exame do carro. A maioria se prende ao que está visível. Mais nada. Examinam cor, brilho, ângulos, desenho. Como se escolhessem enfeite para árvore de natal. Às vezes, aprofundam o exame: maçanetas, teclas e mimos. Espelhos, luzes de cortesia, design do painel. Pronto. É lindo. Vou levar!
Apesar de tantas publicações especializadas e das facilidades para pesquisar na internet, muita gente chega “cru” à loja e vai pela conversa de vendedor.
Uma vez, resolvi ver de perto como alguns deles trabalham. Escolhi uma vendedora. Toda maquiada, saltos altos, elegante, bonita, poses de aeromoça da primeira classe e condicionada a lidar com o perfil médio dos compradores.
Quando ela me falou da cor do carro, respondi que dispensava essa informação, porque óbvia. Perguntei como era a curva de torque. Pensou um pouco e disse que iria se informar para depois responder. Ela comentou os vincos da traseira e eu indaguei sobre a relação peso/potência. Engasgou. Quando destacou o fascinante sistema de partida sem chaves, eu disse que essa frescurinha não me interessava, mas sim o regime de rotações em potência máxima. Olhou-me de um jeito nada amistoso. E, finalmente, quando tentou me atrair para o desenho futurista dos farois, eu fiz questão de perguntar sobre o acionamento do comando de válvulas. “É por corrente em banho de óleo ou correia dentada?” Ela respirou fundo e pediu ajuda ao gerente. Fui muito chato, sim. Mas se todos questionassem pontos essenciais, a cobrança chegaria aos fabricantes.
Como as vendas se dão, muitas vezes, com base nos aspectos exteriores, o mercado é bom para novas marcas que têm como ponto forte design, painéis de instrumentos e mimos bonitinhos. Com financiamentos que dispensam pagamento na entrada, é uma festa para marcas sem tradição e modelos com belas “embalagens”.
Um exemplo atual é a sul-coreana Hyundai. Inovadora, arrojada, marketing agressivo, preços atraentes e, é claro, algumas qualidades.
Mas “houveram” problemas, como diria um amigo que odeia gramática.
A começar pela confiabilidade. Não faz muito tempo, o presidente da companhia, na Coréia do Sul, foi condenado a três anos de prisão por fraude contra os fundos da companhia. Sim, ele mesmo: o principal executivo! (Saiba mais). Ainda assim, muitos compradores confiam na marca, nos parceiros comerciais, nos vendedores e nos cinco anos de garantia. Aliás, quem se deu ao trabalho de investigar como funciona, na prática, essa “fantástica” garantia, não gostou do que viu. É simples: basta lembrar que é necessário cumprir todo o plano de manutenção para não perder a garantia. Resta saber quanto irão cobrar, de verdade, pelas revisões. Muitos preferiram perder a garantia a pagar por essas revisões.Tem ainda a questão das peças de reposição. Vá se informar com consumidores e seguradoras (mas não com o pessoal da rede autorizada).
Agora, a novidade é o recente episódio do tão aguardado lançamento: o Veloster.
Um cupê com jeito de esportivo. Aquele das três portas. Lindo, que design! Uma gracinha!
Muita gente viu anúncios, leu o folder, gostou do preço e correu para reservar o seu.
Demorou, mas chegou. Alguns proprietários já estão rodando felizes da vida. Talvez não vejam nada de errado ou não se preocupem em saber se o carro é movido por cavalos ou pôneis, como brinca o genial anúncio da Nissan. Mas quem conhece e faz questão de conteúdo achou estranho. Onde estão os anunciados 140 cavalos? Cadê a injeção direta do motor GDI?
Compradores juram que o carro não tem o motor prometido. Gustavo Dias, moderador do fórum VeslosterBrasil, na internet, diz que depois de ver tantos relatos levou o carro a uma oficina particular para aferir desempenho em aparelhos (dinamômetro). Resultado: 92 cv líquidos (na roda), o que corresponde a mais ou menos 124 cv no motor. Ou seja, ficou no ar a incrível suspeita de que não seria o 1.6 GDI de 140 cv, mas o 1.6 de 125 cavalos, velho conhecido no Chile. Detalhe: dizem que, nos documentos da compra, consta potência de 140 cv.
Tudo isso está em duas matérias na revista Quatro Rodas de novembro/2011. Estão nas páginas 72 e 154.
Nenhum comentário:
Postar um comentário