29.11.11

TRÊS VEZES VINTE

Entrando nos sessenta

A reação de homens e mulheres ao passar dos anos é diferente? Depende. Da velhice, só escapa quem já morreu

RUTH DE AQUINO|

RUTH DE AQUINO  é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br (Foto: ÉPOCA)
Como a mulher e o homem confrontam os 60 anos? O novo filme da diretora Julie Gavras, exibido na mostra internacional de São Paulo e com estreia prevista para 11 de novembro, trata de envelhecimento. De como esconder ou assumir a idade. Aos 60 você se sente maduro, curioso e sábio ou velho, amargo e ultrapassado? O título do filme no Brasil é assombrosamente ruim e apelativo: Late bloomers – O amor não tem fim. “Late bloomer” é uma expressão inglesa que denomina quem amadureceu tardiamente. Em francês, a tradução do título é clara e objetiva:Trois fois vingt ans (Três vezes 20 anos). Uma conta básica de multiplicação mostra que você já viveu bastante. Um dia teve 20 anos. Também comemorou ou receou os 40. E agora, aos 60, passa para o time dos velhos. Ou não?
Isabella Rossellini (Mary) e William Hurt (Adam) fazem o casal protagonista. Devido a um súbito lapso de memória, a mulher, professora universitária, percebe que envelheceu e toma medidas concretas em casa. Aumenta o tamanho dos números no aparelho de telefone, coloca barras na banheira para o casal não escorregar. O homem, arquiteto famoso, se recusa a se imaginar velho, passa a conviver só com jovens e a se vestir como eles. Ela faz hidroginástica, mas se sente fora d’água, organiza reuniões com idosas e mergulha em trabalhos voluntários. Ele vai para o bar, bebe energéticos e vira a noite. Cada um se apega a sua visão de como envelhecer melhor, sem concessões. Ambos acabam tendo casos extraconjugais. Há nos dois um desespero parecido. Mary exagera na consciência da proximidade da morte. E Adam exagera na negação. Depois de décadas de amor sólido, com os três filhos fora de casa e já com netos, o casal se vê prestes a engrossar as estatísticas dos divorciados após os 60 anos, ao descobrir que se tornaram estranhos e por isso ficam melhor sozinhos e livres. O filme é uma comédia romântica para a idade avançada, um gênero quase inexistente.
Julie Gavras não encontrou nenhuma atriz francesa que assumisse com humor os dilemas de uma sexagenária. “Precisava de alguém com a idade certa, mas que não tivesse feito cirurgia plástica”, diz Julie. “Isabella foi perfeita porque entende que, quanto mais velha fica, mais liberdade tem.” Na França, diz a cineasta, “a idade é uma questão delicada para a mulher”. No Brasil, que cultua a juventude feminina como moeda de troca, é mais ainda. Isabella, um dos rostos mais lindos do cinema, disse ter adorado fazer um filme sobre envelhecimento: “São tão poucos e tão dramáticos. E minha experiência tem sido pouco dramática, aliás bem cômica às vezes. Mulheres envelhecendo são vistas como uma tragédia e foi preciso uma cineasta mulher para ver diferente”.
A reação de homens e mulheres ao passar dos anos é diferente? Depende. Da velhice, só escapa quem já morreu 
Homens e mulheres reagem de maneira desigual à passagem dos anos? É arriscado generalizar. Depende de cada um. Compreendo que mulheres de 60 sintam mais necessidade de parecer jovens e desejáveis – mas alguns homens idosos se submetem a riscos para continuar viris. A obsessão da juventude eterna criou um grupo de deformadas que se sujeitam a uma cirurgia plástica por ano e perdem suas expressões. Mas também fez surgir outro tipo de sexagenárias, genuinamente mais belas, mais em forma, mais ativas e saudáveis enfim.
“As mulheres nessa idade querem aproveitar o mundo, viajar, passear, dançar, ver filmes e peças, fazer cursos. Os homens querem ficar em casa, curtir a família, os netos”, afirma a antropóloga Mirian Goldenberg, que acaba de publicar um livro sobre a travessia dos 60. “Elas se cuidam mais, eles bebem mais. Elas vão a médicos, fazem ginástica, eles engordam, gostam do chopinho com amigos ou sozinhos. Elas envelhecem melhor, apesar do mito de que o homem envelhece melhor. Muitas me dizem: ‘Pela primeira vez na vida posso ser eu mesma’.”

Da velhice ninguém escapa, a não ser que a morte o resgate antes. Cada um lida com ela de forma pessoal e intransferível. O escritor Philip Roth, aos 78 anos, diz que “a velhice não é uma batalha; é um massacre”. Mas produz compulsivamente. Woody Allen, de 75 anos, dirige um filme por ano, mas acha que não há romantismo na velhice: “ Você não ganha sabedoria, você se deteriora”. Para Clint Eastwood, de 81 anos, que ficou bem mais inteligente e charmoso com a idade, envelhecer foi uma libertação: “Quando era jovem, era mais estressado. Me sinto muito mais livre hoje. Os 60 e 70 podem ser os melhores anos, desde que você mude ou evolua”. Prefiro acreditar em Eastwood. Por mais que a sociedade estabeleça como idoso quem tem acima de 60, a tendência é empurrar o calendário para a frente. Hoje, para os sessentões, velho é quem tem mais de 80. Os octogenários produtivos acham que velho é quem passou dos 90. No fim, velho mesmo é quem já morreu e não sabe.

Veja trailler (legendas em francês):



Agradecimentos: José R. de Antoni

27.11.11

HUMOR: COMO ELABORAR UMA CARTILHA PC




(Por Ricardo Zani) 


A Polícia Militar distribuiu panfletos com orientação aos passageiros de coletivos e metrô do DF para se prevenirem contra roubos e assaltos. Uma iniciativa louvável, de grande utilidade pública.
Como é natural, a cartilha tem ilustrações. Acontece que, assim que foi publicada, apareceu quem não gostasse de um dos desenhos. É a ilustração que mostra dois personagens armados abordando uma vítima. Até aí, nenhum problema. Mas alguém concluiu que os bonequinhos com armas nas mãos parecem ser negros.
Então, na Câmara Federal um protesto se ouviu: isso é racismo!
Quando uma iniciativa pública, por melhor que seja, torna-se alvo fixo de pedras grandes, muita coisa pode acontecer em rodas de discussão, gabinetes, palácios, praças, assembleias, plenários e noticiários. Mas nada impede que muita coisa aconteça, também, em nossa imaginação. Ou seja, é inevitável que se recorde o que já se viu por aí para imaginar o que pode acontecer a seguir. Curiosamente, parece que tudo fica mais inflamável quando a polêmica invade o território do "politicamente correto". Então, vejamos.
As medidas esperadas seriam a suspensão da distribuição da cartilha e a preparação de nova edição.
Agora, imaginemos o rumo que as coisas podem tomar.
Os editores alteram a ilustração. Colocam dois brancos assaltando a vítima.
Aí acontece algo incomum e inesperado. Alguém se dói pelos brancos.
“Já que o problema é a cor da pele, por que diabos os assaltantes têm de ser brancos?”
A essas alturas, está claro que a polêmica vai esquentar. Hora de convocar uma reunião.
Um secretário começa a falar. Parece disposto a argumentar que não é politicamente correto defender brancos. Mas os editores falam mais alto:
“Se não pode ser negro e não deve ser branco, o que vamos fazer?”
Nova alteração. A dupla de assaltantes é mista. Um branco e um negro. O problema, agora, é definir a cor da vítima.
Um professor defende o critério das cotas raciais, mas um sociólogo aparece para explicar que a maior vítima da sociedade injusta é o negro. Por analogia, seria mais coerente colocá-lo como vítima na ilustração.
A mudança é feita.
“Ôxe, e negro assalta negro, é?” questiona o representante de um movimento baiano.
Convoca-se, então, uma assembleia democrática. Todos falam muito e muitos entendem pouco.
“Isso aqui tá confuso. Conhecem aquela ministra que tem opiniões escancaradas sobre assuntos velados? Vamos chamá-la...” sugere um iluminado.
A ministra chega com opiniões bem claras:
“Antes de mais nada, eu gostaria de dizer que as mulheres são vítimas.”
Examina a cartilha e dispara:
“Ora, vejam só. Essa ilustração mostra três homens e nenhuma mulher! Qual foi o critério?”
O Movimento Nova Mulher aplaude e sai em marcha pela Esplanada.
A ministra conclui a análise e comenta:
“Gente, quem entende desse negócio de cartilha é o MEC.”
Uma equipe do MEC é chamada. Professores da rede pública aproveitam para manifestar descontentamentos no lado de fora do prédio. Docentes federais se solidarizam e, no fim do dia, é declarada paralisação por 180 dias.
Equipe do MEC examina a cartilha e conclui que foi elaborada em contexto exclusivamente heterossexual. Adverte sobre o crime de homofobia e faz duas recomendações: diversificar a sexualidade dos personagens e  aliviar o rigor gramatical do texto. “Aliás, todo o texto poderia ser substituído por tirinhas”, sugere um assessor.
O Movimento GLBT aplaude e festeja com uma parada na Esplanada e outras 24 pelo país. Uma ala dissidente vai para as rodovias e interrompe o tráfego para reivindicar tratamento carinhoso.
Os editores começam a rascunhar nova ilustração, que contém uma mulher e personagens de diferentes orientações sexuais, mas se recusam a imprimir antes que haja conclusões consistentes.
Então, um oficial pede a palavra e diz que a nova ilustração parece um baile gay e lembra que a ideia central da cartilha não é sexualidade, mas segurança. E acrescenta:
“A propósito, o crime está atacando em muitas frentes. Com tantos ataques, seria bom ouvir alguém da defesa”.
O convidado da defesa comparece e defende que qualquer decisão seja previamente alinhada ao contexto político das minorias internacionais. Propõe que sejam convidados para o debate Chávez, Evo, Fidel e Ahmadinejad.
Algumas organizações discordam e interditam o Eixo Monumental. Mas o convite é mantido. Enquanto aguardam os estrangeiros, algumas lideranças parlamentares sugerem maior participação da sociedade nas discussões.
Duzentas e vinte representações são chamadas.
Uma ONG se manifesta, avisando que quer ampliar a pauta e que tem pendências sobre demarcação de áreas dos descendentes dos quilombos.
Os Karas-Duras ficam sabendo e também preparam uma pauta em torno da demarcação de terras indígenas.
Durante assembleia, o Movimento Viva Vivo se posiciona contra armas de fogo nas ilustrações e um secretário propõe novo plebiscito sobre desarmamento.
Os convidados estrangeiros chegam e a reunião é transferida para o Centro de Convenções.
Evo vai logo avisando que não sairá dali sem elevar o preço do gás boliviano. Chávez pede moderação, mas exige que um dos assaltantes da ilustração seja caracterizado como Tio Sam:
“Los Estados Unidos es el mayor peligro!”
Um líder político concorda, mas diz que a prioridade agora é explicar aos quilombolas que a assembleia não discutirá demarcação de áreas. Ao ouvir isso, um líder pataxó começa a “twittar” para várias tribos. 
Enquanto na Amazônia caciques se enfurecem por não terem espaço para a questão das terras, Ahmadinejad comunica que fará testes nucleares no subsolo, no setor de embaixadas.
O coordenador da reunião intervém e pede que não percam o foco das discussões. Mas ele próprio fica desfocado e trêmulo quando é interrompido por um assessor que entra às pressas e sussurra ao seu ouvido.
Depois de ouvir, o coordenador anuncia que a reunião será interrompida:
“Estão nos avisando que 800 índios armados cercaram o prédio e nos fizeram reféns.”
Alvoroço, pânico geral, todo mundo telefona para todo mundo.
Alguns dias se passam, até que antropólogos, padres, freiras, indigenistas, sindicatos e Hillary Clinton são chamados para mediar a situação.
Semanas se passam e, finalmente, reconhecem que as negociações não avançam. Exausto, Fidel implora que alguém com afinidades indígenas tome a frente das negociações.
Evo é o cara. Entra em campo com todo o gás e, sem querer, acerta uma joelhada em alguém abaixo da linha do Equador. Resmunga alguma coisa e vai em frente.
Evo passa dez dias expondo propostas para um acordo com os índios, quando alguém o interrompe para avisar que o outro lado não está entendendo sua falação em Aimará. Então, ele se dá conta de que não domina nenhum dos idiomas e dialetos indígenas do lado brasileiro. A essas alturas, as conversações são suspensas.
Neste momento, nada há de novo. A última notícia é de que todos seguem reféns, enquanto se procuram intérpretes que possam fazer tradução simultânea do Xavante, Ianomâmi, Terena, Ticuna, Guarani e Caritiana para Espanhol e Aimará. E vice-versa.
Não há previsão para a reedição da cartilha.

4.11.11

CARRO NOVO? OLHO VIVO!


Por Ricardo Zani

Quando você compra um vinho ou uma pizza que não corresponde ao  padrão ou à qualidade prometida, é lesado como consumidor. Mas se o valor é pequeno e, na pressa, você não se informou bem antes de comprar, acaba deixando pra lá. Enganos desse tipo são quase inevitáveis.
Mas quando se trata de um carro zero, de uma marca sem fábrica no Brasil, aí você terá nas mãos um problema complicado.
Ocorre que isso está se tornando frequente. A explicação pode ser uma combinação de fatores: a facilidade para comprar, com financiamentos a perder de vista, a invasão de novas marcas e os critérios de decisão do comprador.
O último fator é especialmente curioso. Às vezes, fico observando pessoas em lojas de carros. A maioria está pensando em trocar de carro, mas não sabe exatamente por que trocar. Movidos pelo modismo, pela pressão da publicidade ou outros fatores, muitas vezes meramente psicológicos, não é raro trocarem por um carro pior. Alguns vão à procura de um modelo sobre o qual nada sabem. Então, procuram se informar. Com quem? Com o vendedor... 
Outro aspecto engraçado é o exame do carro. A maioria se prende ao que está visível. Mais nada. Examinam cor, brilho, ângulos, desenho. Como se escolhessem enfeite para árvore de natal. Às vezes, aprofundam o exame: maçanetas, teclas e mimos. Espelhos, luzes de cortesia, design do painel. Pronto. É lindo. Vou levar!
Apesar de tantas publicações especializadas e das facilidades para pesquisar na internet, muita gente chega “cru” à loja e vai pela conversa de vendedor.
Uma vez, resolvi ver de perto como alguns deles trabalham. Escolhi uma vendedora. Toda maquiada, saltos altos, elegante, bonita, poses de aeromoça da primeira classe e condicionada a lidar com o perfil médio dos compradores.
Quando ela me falou da cor do carro, respondi que dispensava essa informação, porque óbvia. Perguntei como era a curva de torque. Pensou um pouco e disse que iria se informar para depois responder. Ela comentou os vincos da traseira e eu indaguei sobre a relação peso/potência. Engasgou. Quando destacou o fascinante sistema de partida sem chaves, eu disse que essa frescurinha não me interessava, mas sim o regime de rotações em potência máxima. Olhou-me de um jeito nada amistoso. E, finalmente, quando tentou me atrair para o desenho futurista dos farois, eu fiz questão de perguntar sobre o acionamento do comando de válvulas. “É por corrente em banho de óleo ou correia dentada?” Ela respirou fundo e pediu ajuda ao gerente. Fui muito chato, sim. Mas se todos questionassem pontos essenciais, a cobrança chegaria aos fabricantes.        
Como as vendas se dão, muitas vezes, com base nos aspectos exteriores, o mercado é bom para novas marcas que têm como ponto forte design, painéis de instrumentos e mimos bonitinhos. Com financiamentos que dispensam pagamento na entrada, é uma festa para marcas sem tradição e modelos com belas “embalagens”.
Um exemplo atual é a sul-coreana Hyundai. Inovadora, arrojada, marketing agressivo, preços atraentes e, é claro, algumas qualidades.
Mas “houveram” problemas, como diria um amigo que odeia gramática.
A começar pela confiabilidade. Não faz muito tempo, o presidente da companhia, na Coréia do Sul, foi condenado a três anos de prisão por fraude contra os fundos da companhia. Sim, ele mesmo: o principal executivo! (Saiba mais). Ainda assim, muitos compradores confiam na marca, nos parceiros comerciais, nos vendedores e nos cinco anos de garantia. Aliás, quem se deu ao trabalho de investigar como funciona, na prática, essa “fantástica” garantia, não gostou do que viu. É simples: basta lembrar que é necessário cumprir todo o plano de manutenção para não perder a garantia. Resta saber quanto irão cobrar, de verdade, pelas revisões. Muitos preferiram perder a garantia a pagar por essas revisões.Tem ainda a questão das peças de reposição. Vá se informar com consumidores e seguradoras (mas não com o pessoal da rede autorizada).  
Agora, a novidade é o recente episódio do tão aguardado lançamento: o Veloster.
Um cupê com jeito de esportivo. Aquele das três portas. Lindo, que design! Uma gracinha! 
Muita gente viu anúncios, leu o folder, gostou do preço e correu para reservar o seu.
Demorou, mas chegou. Alguns proprietários já estão rodando felizes da vida. Talvez não vejam nada de errado ou não se preocupem em saber se o carro é movido por cavalos ou pôneis, como brinca o genial anúncio da Nissan. Mas quem conhece e faz questão de conteúdo achou estranho. Onde estão os anunciados 140 cavalos? Cadê a injeção direta do motor GDI? 
Compradores juram que o carro não tem o motor prometido. Gustavo Dias, moderador do fórum VeslosterBrasil, na internet, diz que depois de ver tantos relatos levou o carro a uma oficina particular para aferir desempenho em aparelhos (dinamômetro). Resultado: 92 cv líquidos (na roda), o que corresponde a mais ou menos 124 cv no motor. Ou seja, ficou no ar a incrível suspeita de que não seria o 1.6 GDI de 140 cv, mas o 1.6 de 125 cavalos, velho conhecido no Chile. Detalhe: dizem que, nos documentos da compra, consta potência de 140 cv.
Tudo isso está em duas matérias na revista Quatro Rodas de novembro/2011. Estão nas páginas 72 e 154.