11.4.10

O QUE É POLITICAMENTE CORRETO?

Vladimir Volkoff é doutor em filosofia, professor de línguas e literatura francesa e russa nos Estados Unidos. Foi o primeiro escritor que dedicou seriamente seus estudos na França à manipulação informativa. Parente de Tchaikovsky, é um dos escritores melhor situados na hora de explicar o conceito que conhecemos como “politicamente correto”, tema de seu último livro publicado pela Editions du Rocher: “La désinformation par l’image”.

Marc Vitellio – Qual é a sua definição do “politicamente correto”?

Vladimir Volkoff – O politicamente correto tal como o conhecemos hoje, representa a entropia do pensamento político. Como tal, é impossível defini-lo, pois carece de um verdadeiro conteúdo. Seu fundamento básico é aquele do “vale tudo”. Nele encontramos restos de um cristianismo degradado, de um socialismo reivindicativo, de um economicismo marxista e de um freudismo em permanente rebelião contra a moral do ego. Se compararmos a demolição do comunismo com uma explosão atômica, diríamos que o politicamente correto constitui a núvem radioativa que acompanha a hecatombe.

Marc Vitellio – Em que consiste o “politicamente correto”?

 
Vladimir Volkoff - O politicamente correto consiste na observação da sociedade e da história em termos maniqueístas. O politicamente correto representa o bem e o politicamente incorreto representa o mal. O sumo bem consiste em buscar as opções e a tolerância nos demais, a menos que as opções do outro não sejam politicamente incorretas; o sumo mal encontra-se nos dados que precederiam à opção, quer sejam estes de caráter étnico, histórico, social, moral ou mesmo sexual, e inclusive nos avatares humanos. O politicamente correto não atende à igualdade de oportunidade alguma no ponto de partida, mas ao igualitarismo nos resultados no ponto de chegada.

Marc Vitelilo – Quem o inventou?

Vladimir Volkoff – Ninguém inventou o politicamente correto: ele nasceu como conseqüência da decadência do espírito crítico da identidade coletiva, quer seja esta social, nacional, religiosa ou étnica.

Marc Vitellio – Quem o pratica?

Vladimir Volkoff – O politicamente correto é de uso comum entre os intelectuais sem raízes, porém como é contagioso, é normal que outras pessoas estejam contaminadas sem que estejam conscientes disso.

Marc Vitellio – Como podemos nos desintoxicar?

Vladimir Volkoff - A desintoxicação é difícil, na medida em que vivemos em um mundo onde a mídia (e a palavra mídia é, em si mesma, um barbarismo politicamente correto) adquiriu uma importância desmesurada e são precisamente os responsáveis por essa infecção coletiva. O primeiro remédio consiste em tomar consciência de que o politicamente correto existe e que circula sobretudo através de nosso vocabulário. O segundo, seria tomar consciência de que o “eu” forma parte de um “nós” e de que este “nós” deve proteger o “eu” contra o que “se diz…” politicamente correto. O terceiro remédio consiste em pôr em prática a consciência de renúncia à toda terminologia politicamente correta e às ideologias sobre às quais se apoia. Por exemplo, devemos dizer “aborto” em vez de “interrupção da gravidez”, “surdo” em vez de “deficiente auditivo”, “velhice” em vez de “terceira idade”, “bandido” em vez de “inadaptado”. Nem todo “professor” é um ”mestre”.

Marc Vitellio – Quais são os estragos produzidos pelo “politicamente correto”?

Vladimir Volkoff - Consistem fundamentalmente em confundir o bem e o mal, sob o pretexto de que tudo é matéria opinativa.

Marc Vitellio – À parte a nação, quais são os alvos do “politicamente correto”?

Vladimir Volkoff – Os alvos prediletos são a família, as tradições e, sobretudo, a crença nisto, posto que para o politicamente correto só há uma verdade e o resto é falso.

Marc Vitellio – O senhor tem a impressão de que a França é um dos países mais atingidos pelo “politicamente correto”?

Vladimir Volkoff – O politicamente correto é supranacional como todas as enfermidades. Se estamos em condições de afirmar que nasceu em determinadas universidades americanas, a verdade é que expandiu-se rapidamente por todo o mundo. Talvez nos países de tradição cristã-ortodoxa se resista mais e melhor a esta epidemia, provavelmente devido à propaganda comunista, talvez à própria fé religiosa. Vimos recentemente com os casos da Sérvia e da Rússia.

Marc Vitellio – Como identificar uma pessoa “politicamente correta”?

Vladimir Volkoff – Geralmente é uma pessoa que se considera tolerante, mas jamais pratica a tolerância.

Marc Vitellio – Como evitar a contaminação?

Vladimir Volkoff – É verdade que o politicamente correto nos espreita e se apresenta sempre com argumentos inocentes e de fácil assimilação. Trata-se de rechaçar sua inocência e repudiar essa facilidade de assimilação. É necessário, do mesmo modo, prevenir-se contra o mimetismo de falar como os demais. Novamente sob o risco de parecer enfadonho, o vocabulário politicamente correto é o principal veículo de contágio. Em qualquer caso, devemos afirmar que o politicamente correto é uma fé débil e, como tal, não resiste a uma enérgica aplicação do espírito crítico. Não devemos ser submissos aos sentimentos e opiniões generalizadas: o espírito contraditório mais obtuso vale sempre mais do que a livre aceitação do pasto midiático.

Marc Vitellio – Segundo o sr., quais podem ser as conseqüências a curto e médio prazo do triunfo do “politicamente correto”?

Vladimir Volkoff – O politicamente correto prepara o terreno de forma ideal para as operações de desinformação e para a expansão da globalização. Quando todo o mundo acreditar que as verdades podem ser objetos de truque, de que não existem nem verdades nem mentiras, o mundo estará preparado para receber a mesma propaganda, de participar da mesma pseudo-opinião pública fabricada para consumo universal. E esta pseudo-opinião pública aceitará qualquer ação, inclusive as mais brutais que indefectivelmente irão em benefício dos manipuladores.

Notas

1. Obras de Vladimir Volkoff sobre a manipulação da informação: “Le montage” (ganhador do Grand Prix du Roman da Academia Francesa, 1982), “La désinformation, arme de guerre”, “Petite histoire de la désinformation”, “Désinformation, flagrant délit”, “Manuel du politiquement correct” e “La désinformation par l’image”.

2. Tradução de Graça Salgueiro.

(Entrevista publicada em espanhol nas páginas de Harry Magazine:
http://www.harrymagazine.com/200403/la_esencial_intolerancia_del.htm )