22.9.05
10.9.05
copyright Veja, 31/08/05
O BOM DE BLOG
(Diogo Mainardi, colunista da revista Veja)
"Cesar Maia tem um blog. Os leitores de O Globo o acusam de dedicar mais tempo ao blog do que à prefeitura do Rio de Janeiro. Não foi o que aconteceu hoje. Ao longo do dia, ele já mandou apreender um lote de calcinhas com a imagem de Santo Expedito, atendendo à solicitação de um morador. E, atendendo à solicitação de outro morador, já mandou averiguar por que um fiscal da prefeitura interditou o Bar Getúlio no dia do aniversário da morte de Getúlio Vargas. Cesar Maia garante que só trabalha no blog fora do horário de expediente. Pena. No momento, ele tem muito mais utilidade como blogueiro do que como prefeito. Deveria bloguear o tempo todo. Santo Expedito pode esperar.
O blog foi inaugurado em 31 de julho. A idéia inicial era difundir, para o público em geral, os boletins que ele remetia diariamente a um grupinho de leitores, com comentários sobre matérias publicadas na imprensa. No último domingo, o blog mudou. Para provar que Palocci mentia, Cesar Maia fez o que a imprensa deixou de fazer: reproduziu um contrato milionário entre a prefeitura de Ribeirão Preto, na gestão Palocci, e a Leão& Leão, a empresa suspeita de pagar-lhe uma propina mensal de 50.000 reais. A cópia do contrato chegou a Cesar Maia por meio de um internauta de Ribeirão Preto. De lá para cá, o blog publicou muitos outros contratos comprometedores. Até eu encontrei um, de 1994, para as obras do conjunto habitacional Jardim Heitor Rigon, em que Palocci favoreceu a Leão& Leão, e foi condenado pelo Tribunal de Contas de São Paulo a uma multa de 150 Ufesp, prontamente saldada por ele.
Com a publicidade recebida pelo furo palocciano, o blog de Cesar Maia virou uma central de denúncias contra o governo federal. Um funcionário do fundo de pensão Previ forneceu-lhe informações sobre a Trevisan Associados, a empresa de auditoria metida em todas as encrencas do petismo, do caso Gtech à compra da produtora do filho de Lula, por parte da Telemar. Um morador de Belo Horizonte confidenciou-lhe os segredos de Carla, uma das recepcionistas de Jeany Corner, atual acompanhante de Rogério Buratti e, segundo ela, ex-acompanhante do próprio Palocci. Um espião infiltrado no Tribunal de Contas da União revelou-lhe detalhes sobre os gastos exorbitantes do casal Lula e Marisa com cartões de crédito corporativos.
A acusação contra Palocci acabou com o último engodo petista: o de que a corrupção foi fruto das alianças políticas de 2002. Na verdade, ela é muito mais antiga e abrangente. O petismo corrompeu todos os ambientes em que se instalou: a administração local, a igreja, o sindicato, o movimento social, a cultura, a escola. A imprensa também foi contaminada. A reação dos jornalistas à entrevista de Palocci foi mais uma prova de seu vexaminoso sectarismo. A morte do petismo será boa para o jornalismo. Será boa para todo mundo."
O BOM DE BLOG
(Diogo Mainardi, colunista da revista Veja)
"Cesar Maia tem um blog. Os leitores de O Globo o acusam de dedicar mais tempo ao blog do que à prefeitura do Rio de Janeiro. Não foi o que aconteceu hoje. Ao longo do dia, ele já mandou apreender um lote de calcinhas com a imagem de Santo Expedito, atendendo à solicitação de um morador. E, atendendo à solicitação de outro morador, já mandou averiguar por que um fiscal da prefeitura interditou o Bar Getúlio no dia do aniversário da morte de Getúlio Vargas. Cesar Maia garante que só trabalha no blog fora do horário de expediente. Pena. No momento, ele tem muito mais utilidade como blogueiro do que como prefeito. Deveria bloguear o tempo todo. Santo Expedito pode esperar.
O blog foi inaugurado em 31 de julho. A idéia inicial era difundir, para o público em geral, os boletins que ele remetia diariamente a um grupinho de leitores, com comentários sobre matérias publicadas na imprensa. No último domingo, o blog mudou. Para provar que Palocci mentia, Cesar Maia fez o que a imprensa deixou de fazer: reproduziu um contrato milionário entre a prefeitura de Ribeirão Preto, na gestão Palocci, e a Leão& Leão, a empresa suspeita de pagar-lhe uma propina mensal de 50.000 reais. A cópia do contrato chegou a Cesar Maia por meio de um internauta de Ribeirão Preto. De lá para cá, o blog publicou muitos outros contratos comprometedores. Até eu encontrei um, de 1994, para as obras do conjunto habitacional Jardim Heitor Rigon, em que Palocci favoreceu a Leão& Leão, e foi condenado pelo Tribunal de Contas de São Paulo a uma multa de 150 Ufesp, prontamente saldada por ele.
Com a publicidade recebida pelo furo palocciano, o blog de Cesar Maia virou uma central de denúncias contra o governo federal. Um funcionário do fundo de pensão Previ forneceu-lhe informações sobre a Trevisan Associados, a empresa de auditoria metida em todas as encrencas do petismo, do caso Gtech à compra da produtora do filho de Lula, por parte da Telemar. Um morador de Belo Horizonte confidenciou-lhe os segredos de Carla, uma das recepcionistas de Jeany Corner, atual acompanhante de Rogério Buratti e, segundo ela, ex-acompanhante do próprio Palocci. Um espião infiltrado no Tribunal de Contas da União revelou-lhe detalhes sobre os gastos exorbitantes do casal Lula e Marisa com cartões de crédito corporativos.
A acusação contra Palocci acabou com o último engodo petista: o de que a corrupção foi fruto das alianças políticas de 2002. Na verdade, ela é muito mais antiga e abrangente. O petismo corrompeu todos os ambientes em que se instalou: a administração local, a igreja, o sindicato, o movimento social, a cultura, a escola. A imprensa também foi contaminada. A reação dos jornalistas à entrevista de Palocci foi mais uma prova de seu vexaminoso sectarismo. A morte do petismo será boa para o jornalismo. Será boa para todo mundo."
3.9.05
A MEMÓRIA DA VELHICE
DRAUZIO VARELLA
Preservar a vida é o mais arraigado dos instintos. Na evolução das espécies, a seleção natural cuidou de eliminar os incapazes de defendê-la com unhas e dentes.
Os seres humanos não constituem exceção, mas, pelo fato de sermos animais racionais, aceitamos determinados limites para a duração da existência; mantê-la a qualquer custo não nos parece sensato. A perda irreversível da memória configura uma dessas situações. Incapazes de lembrar quem somos e de entender o que se passa a nossa volta, de que vale a condição humana?A perda progressiva de memória associada ao envelhecimento é característica comum a um conjunto de patologias que a medicina classifica como demências (termo que nada tem a ver com loucura), das quais a doença de Alzheimer é a mais prevalente.
A incidência de quadros demenciais aumenta com a idade: aos 70 anos, já acometem entre 10% e 15% da população; aos 90 anos, entre 50% e 60%.
As primeiras manifestações da doença de Alzheimer são insidiosas, caracterizadas por pequenos lapsos de memória que podem passar despercebidos durante anos, até a pessoa esquecer o endereço de casa ou estranhar a fisionomia de um filho.
A revista "Science" acaba de publicar um artigo que reúne a informação científica apresentada na Conferência Internacional sobre Prevenção da Demência, realizada há dois meses, em Washington.
Ainda na década de 1970, foi aventada a hipótese de que as atividades intelectuais, ao aumentar o número e a versatilidade das conexões (sinapses) entre os neurônios, criariam uma espécie de reserva cognitiva passível de ser utilizada na velhice. Em 1977, um grupo do St. Lukes Medical Center, de Chicago, estudando 642 idosos, demonstrou que cada ano de escolaridade formal reduziria o risco de desenvolver Alzheimer em 17%.
O resultado levou o mesmo centro a acompanhar, a partir de 1995, um grupo de padres e freiras submetidos periodicamente a uma bateria de 19 testes de avaliação da capacidade intelectual. Em 2003, depois de analisar 130 cérebros dos religiosos falecidos, os autores concluíram que a presença das placas no sistema nervoso, características da doença de Alzheimer, não guardava relação com os níveis de escolaridade. Mas a bateria de testes aplicados em vida indicava que as habilidades cognitivas eram preservadas por mais tempo nos religiosos mais instruídos. Neles, a doença só se manifestava quando eram encontradas cinco vezes mais placas do que nos outros.Com os mesmos objetivos, um grupo da Universidade de Minnesota conduziu o célebre "Estudo das Freiras", no qual foram analisados ensaios biográficos que 678 freiras nascidas antes de 1917 haviam escrito ao ser admitidas no convento, aos 20 anos. As irmãs com menor versatilidade lingüística naquela época desenvolveram Alzheimer mais precocemente e, ao morrerem, seus cérebros exibiam as placas características da enfermidade.Inquéritos populacionais conduzidos em São Paulo pela Unifesp encontraram maior prevalência de demências entre os analfabetos e os que não haviam concluído o primeiro grau. Da mesma forma, em 109 pares de gêmeos idênticos matriculados no Registro Sueco de Gêmeos, nos quais apenas um dos irmãos desenvolveu demência, o gêmeo saudável, estatisticamente, havia estudado mais tempo.
Ao comentar essas pesquisas, o pesquisador Robert Friedland concluiu que não apenas a leitura mas simples passatempos como a montagem de quebra-cabeças ou a prática de palavras cruzadas são atividades capazes de proteger o cérebro. No final, acrescentou que vários trabalhos demonstram que assistir à televisão está associado ao efeito contrário: aumenta a probabilidade de Alzheimer. Num inquérito conduzido entre 135 portadores da doença, comparados a 331 de seus familiares saudáveis, cada hora diária adicional diante da TV multiplicou o risco de Alzheimer por 1,3.Vários estudos apresentados na conferência reforçam a idéia de que nem só do intelecto vive o cérebro: o exercício físico também é capaz de torná-lo mais resistente.
Anos atrás, uma avaliação dos resultados obtidos em 18 pesquisas (meta-análise) envolvendo mulheres e homens de 55 a 80 anos demonstrou que a vida sedentária aumenta o risco de demência. Desde então, surgiram vários estudos sobre o tema.
Os mais importantes foram realizados na Universidade da Califórnia, com cerca de 6.000 mulheres com mais de 65 anos, em Harvard, com mais de 18 mil mulheres, e na Universidade Johns Hopkins, com mais de 3.000 participantes de ambos os sexos. Os resultados são inequívocos: quanto maior o tempo gasto em atividades físicas, como andar (principalmente), mais lento o declínio da capacidade cognitiva.Trabalhos experimentais confirmam essa conclusão: o exercício físico melhora o fluxo sangüíneo cerebral através da formação de novos capilares no córtex -área essencial para a cognição- e induz a produção de proteínas que estimulam o crescimento e favorecem a formação de novas conexões entre os neurônios.Essas pesquisas estão sujeitas a um viés metodológico: será que a menor versatilidade lingüística demonstrada pelas freiras aos 20 anos, a menor dedicação à escolaridade formal e às atividades intelectuais, o maior número de horas passivas na frente da TV e a pouca disposição para atividades físicas já não fariam parte de um conjunto de manifestações extremamente precoces das demências que irão se instalar na senectude?Impossível ter certeza, mas vale a pena acreditar na idéia de que, através de estímulos intelectuais e da atividade física, será possível preservar, na idade avançada, a experiência e as habilidades cognitivas acumuladas com tanto esforço no decorrer da vida.
(Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, Caderno Folha Ilustrada, em 3 de setembro de 2005)
DRAUZIO VARELLA
Preservar a vida é o mais arraigado dos instintos. Na evolução das espécies, a seleção natural cuidou de eliminar os incapazes de defendê-la com unhas e dentes.
Os seres humanos não constituem exceção, mas, pelo fato de sermos animais racionais, aceitamos determinados limites para a duração da existência; mantê-la a qualquer custo não nos parece sensato. A perda irreversível da memória configura uma dessas situações. Incapazes de lembrar quem somos e de entender o que se passa a nossa volta, de que vale a condição humana?A perda progressiva de memória associada ao envelhecimento é característica comum a um conjunto de patologias que a medicina classifica como demências (termo que nada tem a ver com loucura), das quais a doença de Alzheimer é a mais prevalente.
A incidência de quadros demenciais aumenta com a idade: aos 70 anos, já acometem entre 10% e 15% da população; aos 90 anos, entre 50% e 60%.
As primeiras manifestações da doença de Alzheimer são insidiosas, caracterizadas por pequenos lapsos de memória que podem passar despercebidos durante anos, até a pessoa esquecer o endereço de casa ou estranhar a fisionomia de um filho.
A revista "Science" acaba de publicar um artigo que reúne a informação científica apresentada na Conferência Internacional sobre Prevenção da Demência, realizada há dois meses, em Washington.
Ainda na década de 1970, foi aventada a hipótese de que as atividades intelectuais, ao aumentar o número e a versatilidade das conexões (sinapses) entre os neurônios, criariam uma espécie de reserva cognitiva passível de ser utilizada na velhice. Em 1977, um grupo do St. Lukes Medical Center, de Chicago, estudando 642 idosos, demonstrou que cada ano de escolaridade formal reduziria o risco de desenvolver Alzheimer em 17%.
O resultado levou o mesmo centro a acompanhar, a partir de 1995, um grupo de padres e freiras submetidos periodicamente a uma bateria de 19 testes de avaliação da capacidade intelectual. Em 2003, depois de analisar 130 cérebros dos religiosos falecidos, os autores concluíram que a presença das placas no sistema nervoso, características da doença de Alzheimer, não guardava relação com os níveis de escolaridade. Mas a bateria de testes aplicados em vida indicava que as habilidades cognitivas eram preservadas por mais tempo nos religiosos mais instruídos. Neles, a doença só se manifestava quando eram encontradas cinco vezes mais placas do que nos outros.Com os mesmos objetivos, um grupo da Universidade de Minnesota conduziu o célebre "Estudo das Freiras", no qual foram analisados ensaios biográficos que 678 freiras nascidas antes de 1917 haviam escrito ao ser admitidas no convento, aos 20 anos. As irmãs com menor versatilidade lingüística naquela época desenvolveram Alzheimer mais precocemente e, ao morrerem, seus cérebros exibiam as placas características da enfermidade.Inquéritos populacionais conduzidos em São Paulo pela Unifesp encontraram maior prevalência de demências entre os analfabetos e os que não haviam concluído o primeiro grau. Da mesma forma, em 109 pares de gêmeos idênticos matriculados no Registro Sueco de Gêmeos, nos quais apenas um dos irmãos desenvolveu demência, o gêmeo saudável, estatisticamente, havia estudado mais tempo.
Ao comentar essas pesquisas, o pesquisador Robert Friedland concluiu que não apenas a leitura mas simples passatempos como a montagem de quebra-cabeças ou a prática de palavras cruzadas são atividades capazes de proteger o cérebro. No final, acrescentou que vários trabalhos demonstram que assistir à televisão está associado ao efeito contrário: aumenta a probabilidade de Alzheimer. Num inquérito conduzido entre 135 portadores da doença, comparados a 331 de seus familiares saudáveis, cada hora diária adicional diante da TV multiplicou o risco de Alzheimer por 1,3.Vários estudos apresentados na conferência reforçam a idéia de que nem só do intelecto vive o cérebro: o exercício físico também é capaz de torná-lo mais resistente.
Anos atrás, uma avaliação dos resultados obtidos em 18 pesquisas (meta-análise) envolvendo mulheres e homens de 55 a 80 anos demonstrou que a vida sedentária aumenta o risco de demência. Desde então, surgiram vários estudos sobre o tema.
Os mais importantes foram realizados na Universidade da Califórnia, com cerca de 6.000 mulheres com mais de 65 anos, em Harvard, com mais de 18 mil mulheres, e na Universidade Johns Hopkins, com mais de 3.000 participantes de ambos os sexos. Os resultados são inequívocos: quanto maior o tempo gasto em atividades físicas, como andar (principalmente), mais lento o declínio da capacidade cognitiva.Trabalhos experimentais confirmam essa conclusão: o exercício físico melhora o fluxo sangüíneo cerebral através da formação de novos capilares no córtex -área essencial para a cognição- e induz a produção de proteínas que estimulam o crescimento e favorecem a formação de novas conexões entre os neurônios.Essas pesquisas estão sujeitas a um viés metodológico: será que a menor versatilidade lingüística demonstrada pelas freiras aos 20 anos, a menor dedicação à escolaridade formal e às atividades intelectuais, o maior número de horas passivas na frente da TV e a pouca disposição para atividades físicas já não fariam parte de um conjunto de manifestações extremamente precoces das demências que irão se instalar na senectude?Impossível ter certeza, mas vale a pena acreditar na idéia de que, através de estímulos intelectuais e da atividade física, será possível preservar, na idade avançada, a experiência e as habilidades cognitivas acumuladas com tanto esforço no decorrer da vida.
(Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, Caderno Folha Ilustrada, em 3 de setembro de 2005)
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